sábado, 7 de maio de 2011

"Novo aluno x novo professor" [ * ]

Estudantes da E.M. Affonso Penna, Rio; ano letivo de 2010

[ * ] Entrevista concedida 
ao portal do Instituto Ayrton Senna; disponível em: 

IAS - Na escola tradicional o professor é aquele que “transmite as regras que o aluno deve seguir”. É aquele que “sabe tudo”, seu papel é “encher a cabeça” dos alunos de informações das quais um dia, talvez “poderá precisar”. Como você vê, nos dias atuais, a figura desse professor que está preso a esses paradigmas?

Raul - Em um mundo em que “tudo que é sólido desmancha no ar” é evidente que qualquer profissional, principalmente se atua na área da educação, que se proponha a ditar regras fixas e absolutas estará fadado ao fracasso, atropelado pelos acontecimentos.O professor possui saberes específicos, que são os conteúdos de sua disciplina. Mas é preciso não confundir “conteúdo” com “prática conteudística”. Assim, é importante que todo professor tenha em mente que na origem da sua disciplina existe um modo específico e intransferível de ver, compreender, configurar, significar e re-significar o mundo. Um “discurso” próprio, que se constitui no seu saber essencial. Uma prática baseada apenas na transmissão de conteúdos é incapaz de promover a aquisição, por parte dos estudantes, desses modos essenciais de pensar o mundo, “ferramentas” que acompanharão os estudantes sendo-lhes úteis ao longo de toda a vida.

IAS - A principal finalidade da escola deve ser desenvolver as capacidades dos alunos em situação de aprendizagem como elemento de auto-realização e, não, “transmitir” conhecimentos. O que é necessário para um professor atender às novas exigências da escola atual?

Raul - O mestre não pode “transmitir” nada - a não ser, quem sabe, seu exemplo. A escola também. Portanto, talvez o principal objetivo da escola seja a de se auto-realizar, desenvolver suas potencialidades transformando-as em capacidades: capacidade de acolher, de agregar; coordenar esforços e talentos, capacidade de experimentar e aprender com a experiência. A instituição demasiadamente ocupada com seus afazeres se esquece que, antes de mais nada, é percebida pelo aluno como um “ambiente”. O professor, imerso no ambiente e submetido (inconscientemente?) às suas regras, reproduz o comportamento institucional: preocupa-se com o que o aluno é capaz de aprender, minimizando o que ele de fato apreende na convivência cotidiana com o ambiente escolar. Karl Marx dizia que “a prática é o critério da verdade”; na escola, a “prática” também se manifesta na forma de um ambiente verdadeiramente pedagógico, algo que não existe sem as pessoas- professores, inclusive. A escola precisa se tornar um espaço no qual tanto o aluno quanto o professor possam buscar, cada um em seu nível, sua auto-realização, crescendo juntos. 

IAS - Saber ensinar é saber criar condições para que os alunos aprendam. A aprendizagem constrói-se pela ação; por isso, o professor deve ser um estimulador de interesses, um despertador de curiosidade. Como deve agir um professor para se tornar um colaborador no sentido de ajudar os seus alunos a desenvolver competências necessárias para a vida?

Raul - Minhas primeiras lembranças da escola me remetem ao Colégio de Aplicação da UnB, em Brasília, cidade na qual passei a infância. As principais memórias que tenho do colégio se relacionam ao seu espaço físico, principalmente a existência de um jardim de inverno ao qual todas as salas de aula se comunicavam e que podíamos acessar por intermédio de uma porta de vidro, dessas de correr. Lembro das inúmeras vezes em que colhemos folhas e insetos neste jardim, para serem observadas nos microscópios do Laboratório de Ciências. A possibilidade de estabelecer vínculos afetivos com o conhecimento, ou por meio dele, é um valor pedagógico essencial. Os antigos se valiam de uma expressão em desuso: “tal coisa me sabe a…”, vinculando a experiência dos sentidos ao “conhecer” alguma coisa. Experiência e assimilação/incorporação, sem dúvida, combinam e rimam com educação. Mas criar as condições necessárias para que estas “ações” possam se desenvolver é uma tarefa institucional, transcendendo às iniciativas de cada professor. Sem articulação, ainda que valiosos, os esforços individuais se mostram incapazes de efetivar as mudanças estruturais que garantam a continuidade que todo projeto pedagógico necessita.

IAS - O alunos dos novos tempos não aceitam mais as práticas pedagógicas no estilo castigo e recompensa, aulas passivas, “transmissão de conteúdos”. Na sua concepção, como deve ser a prática pedagógica do “novo professor” para atender às exigências do perfil dos “novos alunos”?

Raul - Como professor da disciplina de artes plásticas, percebo a importância dos momentos em que a “atividade” se interioriza na forma de plena atenção, atitude necessária à realização de algumas tarefas durante as quais o silêncio e a concentração são condições fundamentais. Portanto, “passividade” é um conceito que pode ser problematizado e contextualizado, pois seu uso corrente tende a desconsiderar às diversas formas de atividade necessárias ao processo de aprendizagem.
“Atividade”, em sentido amplo, se liga a “interesse”- pois é este que garante o vínculo do estudante com o “fazer”. E a “recompensa” pelo fazer, idealmente, começa pelo próprio prazer de fazer. Do “novo” professor se exige, portanto, o desenvolvimento de estratégias pedagógicas que garantam a criação das condições propícias a uma vivência plena das experiências, pois apenas isto vai garantir a real incorporação, por parte dos estudantes, dos conhecimentos e habilidades correspondentes aos “conteúdos” listados nos currículos. 

IAS - Como você descreve o “novo professor” e o “novo aluno”?

Raul - Essencialmente, imagino esse ”novo professor” como um profissional consciente de que a educação só se realiza plenamente como um trabalho institucionalmente integrado e colaborativo. Confinado em sala de aula e isolado com seus saberes específicos o professor não tem nada a ganhar. Portanto, é preciso disposição para conquistar e garantir espaços institucionais que sejam facilitadores de encontros, trocas, conversas, enfim tudo que venha a promover o surgimento de vínculos e o arejamento das relações, condições necessárias à elaboração e implementação de estratégias coletivas de atuação. 
Quanto ao “novo aluno”, ao contrário do “novo professor” em certo sentido ele sempre existiu e existirá. Pois cada aluno que entra na escola traz consigo as potencialidades de uma nova geração. Cabe à escola o trabalho de “interpretar” e direcionar essas potencialidades, tendo como eixos estruturantes os saberes essenciais dos quais ela é portadora.